sábado, 24 de outubro de 2020

Meu Bebê




    

 

     Sinceramente, eu preferia estar morando na cidade grande e não nessa pocilga, pequena e afastada de tudo, chamada de Campo Verde.  Sim, cidades pequenas são muito comuns por aqui, mas as grandes oportunidades sempre estão fora das cidades pequenas! Afinal, são “grandes possibilidades” e se contentar com pequenas migalhas é para pessoas que adoram viver nesses pequenos vilarejos.

    A paz típica desse lugar foi varrida para debaixo do tapete já fazem duas semanas, se meus pais tivessem me ouvido anos atrás e todos tivéssemos nos mudado para uma cidade grande, minha irmã não estaria passando pela situação para qual a maldita entropia a arrastou.

    Ela deu à luz a meu sobrinho há mais ou menos um mês, um pequenino de olhos brilhantes e bem atentos chamado Allen. Infelizmente, faz uma semana que ele desapareceu, pela manhã quando minha irmã foi pegá-lo no berço, não tinha nada além das cobertas reviradas e espalhadas.

    Lindsay, minha irmã, teve um ataque histérico, os gritos acordaram Roy, seu marido, que a encontrou aos prantos procurando por Allen e dizendo que a culpa era dele de o bebê ter sumido. Não foi um fato isolado, mais três bebes sumiram nessas duas semanas na cidade, a polícia colocou um alerta de uma possível quadrilha que estava fazendo esses sequestros.

    Tudo começou a desmoronar, minha irmã teve que ser internada e ficou uma semana presa a uma cama de hospital sendo sedada para conseguir acalmar os nervos, Roy pode ser encontrado no pub todo final de tarde, afogando suas angustias em um copo da bebida mais forte que tiver no momento. Meus pais ao verem a sua filhinha nesse estado entraram numa paranoia gigante, Lindsay não para de abraçar as roupas de seu filho e ficar repetindo: “meu bebê”, com lágrimas caindo pelos olhos e pingando em cima das únicas lembranças que tem de Allen.

    Sem saber o que fazer, fiquei trancado em casa, assustado.  À noite, fico olhando pela janela para ruas vazias e quietas do nosso vilarejo, não consigo dormir desde o incidente, sinto como se algo me vigiasse, noite após noite, e um medo ancestral, que não consigo descrever, percorre minha espinha deixando os cabelos da nuca em pé, e me deixa no mais avançado estado de alerta.

    Minha mãe me convenceu de convidar Lindsay para passar conosco um tempo, ficar sozinha em casa, remoendo as memórias, não vai trazer Allen de volta, todos tentaram convencer-lhe de ir para casa de nossos pais, mas ninguém conseguiu, parece que sou a última esperança dos meus velhos. Antes passei no pub para verificar se Roy concordava com nossa ideia, em meio a suas lamúrias, algo me chamou atenção, Lindsay também estava com a mesma sensação que sinto todas as noites desde antes de Allen sumir, por isso não quis deixar o bebê nenhuma noite no berço desde que voltou do hospital.

    Meu cunhado é muito cabeça dura e insistiu que o bebê deveria acostumar a dormir sozinho, mesmo protestando, minha irmã concordou porque Roy disse que compraria uma babá eletrônica no outro dia. Antes de apagar no balcão de tanto álcool que ingeriu, Roy sugeriu que talvez a culpa era dele mesmo, em insistir para Allen dormir longe deles.

    Não importa, já faz cinco minutos que estou na frente da porta da casa de Lindsay criando coragem de chamar por ela. Minhas mãos estão suando frio, nunca senti isso antes. Respirando fundo, começo a bater na porta e chamar pela minha irmã, mas cada minuto que se passa, pela demora para abrir, sinto uma angustia crescer, vindo direto de meu ventre e subindo até a garganta, o gosto amargo e ardência na minha garganta me fazem engasgar, algo deve estar errado. Quando giro a maçaneta, a porta está aberta. A passos rápidos encontro Lindsay, sentada no sofá da sala. A televisão nesse momento transmite somente estática, a luz da sala está apagada e a iluminação precária que o aparelho propicia deixa tudo em tons de cinza.

    Lentamente me aproximo da minha irmã chamando baixo por seu nome, seus olhos estão vidrados para cima e o pescoço pendendo levemente para direita, um frasco de remédios ainda está firme em sua mão esquerda, não sinto nenhuma reação vindo de seu corpo. Não pode ser! Ela não tomou todo o frasco! Assustado, a dor em minha barriga fica mais forte, caio no chão me retorcendo, sinto o café da tarde sendo regurgitado no chão frio e escuro, quando consigo me recuperar, ao vislumbrar a poça no chão, ela está repleta de olhos todos vidrados na minha direção e então, aquela massa disforme semelhante a algo vindo direto de algum pesadelo insano sorri em escarnio para toda situação...

 

 

Conto por: Rafael Damacena
Editor do Vale das Trevas 
Colaborador do Só não Critica
Revisão textual : Equipe Amarelo Carmesim
 
 

 Temos a contribuição de nosso amigo Rafael para o Amarelo Carmesim, nosso pequeno mundo vai crescendo, agora temos um vislumbre do que acontece na cidade de Campo Verde. Aguardemos mais atualizações e notícias destas pobres almas.

 

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