quarta-feira, 22 de abril de 2020

Mariposas


Um enxame de mariposas matando pessoas


Foram as luzes no céu. Naquela noite de agosto a humanidade experimentou um evento sem precedentes. Percebemos, da pior maneira, que não conhecemos o espaço nem o que nele habita. Os clarões não podiam ser confundidos com relâmpagos. Os jornais chamaram de fenômeno, os cientistas, de luzes amorfas e os crentes de início do fim. O certo é que era um início, o início do medo do entardecer, o pavor que o homem sempre sentiu da escuridão da noite agora é mais palpável.

Alguns dias depois do céu ser iluminado por todo um espectro de cores desconhecidas, percebemos o preço que iríamos pagar por nossa ignorância, tão preocupados com futilidades, nunca nos preparamos para uma coisa tão simples. As primeiras mortes, que foram por sufocamento, quando noticiadas, não pareceram importantes até descobrirmos que os enxames de mariposas se deslocavam na negrura da noite como ventos mortais.

Mariposa foi o termo que usamos por parecerem com um simples inseto, entretanto, aqueles seres, diziam os cientistas, eram diferentes internamente de tudo que havia no planeta. Adaptáveis e silenciosos, nossos algozes sumiam durante o período do dia e apareciam, cada vez em número maior, quando a noite chegava.

Lembro da primeira vez que vi o vídeo na internet, estávamos eu e minha esposa procurando notícias sobre os incidentes quando nos deparamos com aqueles minutos de agonia, pobre homem, as narinas tomadas e tentando abrir a boca para gritar, mas mais e mais insetos a penetraram. Em instantes o corpo parou de se debater, elas entravam e saiam pelos orifícios da boca e do nariz, não consigo esquecer aqueles olhos abertos, aqueles olhos com insetos pousados neles, pobres olhos. Lembro que minha esposa chorou. Lembro que meu pavor de pai logo me fez temer por minhas filhas, meu coração era um poço fundo de medos. A cada noite eu vedava a casa com medo do horror noturno. 

O governo usou veneno, usou chamas, a verdade é que os enxames são maiores agora no segundo mês e elas desenvolveram algum tipo de toxina que mata mais rápido. A cada semana sua quantidade aumenta. Vasculham por frestas, parecem sentir nosso medo e fragilidade. Acho que existe algo maior do que uma inteligência primitiva nessas criaturas, afinal, agora matam nosso gado e contaminam, com seus corpos mortos, nossas reservas de água.

Minha filha mais velha morreu ajudando a mãe na tentativa de salvar a irmã mais nova. Se não fosse seu sacrifício, jamais chegaríamos ao porão. Minha pobre filha, minha querida filha...estamos só eu, minha esposa e a pequena. Cada vez menos estações de rádio no ar e as notícias sempre são piores a cada hora. A pequenina chora de fome pois o que estocamos acabou ontem. Ainda tenho um pouco de remédios para dormir... espero que sejam o suficiente para lhe dar a paz que este mundo não tem mais.



Autor: FilipeTassoni
Revisão: Morrigan Ankh

Imagem: Mariposa by Morrigan Ankh

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